Saturday, December 22, 2007

 


Na Feira da Ladra



No passado sábado, como habitualmente, lá estava a multidão de comerciantes a vender os seus "produtos". Começaram pelas sete da manhã e mesmo às nove, quando chegámos, o frio era de rachar.
O pretexto para a ida foi a compra de um candeeiro pequeno para montar na escrevaninha(como se houvesse necessidade de um pretexto...).O Joaquim, vizinho do sítio e ocasional visitante da Feira, acompanhou-nos na diligência.Curiosa a conversa com os vendedores e mais curiososos, ainda, os diálogos "negociais" ouvidos aqui e ali, com argumentos fortíssimos de parte a parte, até se chegar à redução de 1 euro(!...) no preço final da aquisição (verdadeira técnica não ensinada nas Universidades...) :
"Então, amigo, esta jarrinha não a posso vender por menos de oito euros, talvez sete, mas fico sem margem nenhuma...Hoje ainda não ganhei nada! Tenho setenta e dois anos e estou reformado da restauração. Venho p'r'aqui porque, ao menos, vejo gente, dou dois dedos de conversa e sempre me mexo! E veja lá, muitas vezes não vendo nada e tenho de pagar três contos por mês para poder estar aqui. Então quando chove não posso ter a tralha espalhada aqui no chão, mas tenho de continuar a pagar a licença! É como uma renda de casa...".
Como em qualquer feira deste tipo, em qualquer país, é sempre um deslumbramento ver a quantidade e diversidade de coisas à venda, de roupa a discos, de moedas a ferramentas, tudo o que se possa imaginar.
E encontram~se verdadeiras pechinchas."Quanto é que quer por esta peça? São trinta euros! O quê???Nem pensar! Bem, tome-a lá por vinte e cinco e fica o assunto arrumado! Não lhe posso dar mais de vinte... O quê??? Nem pensar (este é um disco tocado dos dois lados, com a mesma música).Por vinte euros, ficava eu a perder!
Não há problema, ficamos amigos e eu vou andando a ver se vejo outras coisas.".
E o freguês vai-se embora, perante o olhar "zangado" do vendedor. Passados dez passos, este chama o comprador: "Oh, amigo, dê cá os vinte euros, fico a perder, mas sempre vendo alguma coisa...".
Este é o ritual da Feira. Como diria o Joaquim, é assim que se fazem os negócios!

Mais umas voltas pelo Campo de Santa Clara, encontrei um castiço tipo de grande bigodaça, de conversa fácil:

"Sou a pessoa que, do Tejo para baixo, mais percebe de moedas! Fui oficial miliciano, dei duas recrutas a tipos que foram para a Índia e convidaram-me para ficar na tropa, mas eu não quiz. Agora estou com setenta e quatro anos e aqui na Feira tenho o maior número de botões de fardas. Só aqui nesta caixa estão mais de mil, de todos os tipos: de Cavalaria, de Infantaria, de Artilharia (é a minha Arma, dei duas recrutas em Leiria), dos Bombeiros, da Polícia Municipal, eu sei lá! Cada um custa um euro, mas agora tenho vendido pouco. Há uns tempos atrás veio cá um tipo que me comprou uma batelada deles, mas eram todos do tempo da Monarquia. Quando quiser saber alguma coisa sobre moedas, venha cá ter com o Saúl (o meu nome ao contrário é Luas, já viu?)".

Muito bem, senhor Saúl, qualquer dia voltaremos à conversa...

E assim se passou a manhã. Dia muito bonito mas muito frio. Uma jovem feirante, desempoeirada, dizia em voz alta para os seus vizinhos." Tenho os pés frios como o c..."

Que pena não ter trazido a máquina fotográfica para fixar alguns instantes das coisas e das pessoas, com a Igreja de Santa Engrácia a recortar-se no horizonte.

Fomos almoçar á messe de Santa Clara, com o Joaquim e o nosso amigo Octávio, posto o que, subindo a rua da Verónica e a da Senhora da Glória, chegámos à "Vila Bertha", prosseguindo depois até ao Quartel de Transmissões onde apanhámos o carro para regressar a Belverde.

Bela jornada!

Wednesday, December 05, 2007

 


Velhos Amigos (II)



Oh! queridos amigos! Há bastantes anos que nos não víamos! Mas as obras em casa, levaram-me a meter a livralhada em caixotes, para se poder libertar e remover as estantes.
Dezenas e dezenas de títulos, algumas dedicatórias de amigos ainda vivos ou já desaparecidos, recordações de lugares por onde andei...
E entre a sacudidela da poeira, topei com um livrinho que me fascinou quando o li pela primeira vez: "Carta de Guia de casados", de D.Francisco Manuel de Melo (a sua vida daria argumento para um excelente filme).
É notável como este seiscentista escreveu há mais de 350 anos uma obra ( polémica em muitos pontos) com tanta frescura, não obstante carregada de abundantes sinais de machismo, natural na época.
Não resisto a respigar algumas das passagens nele contidas:

-"A amizade é o maior parentesco, o parentesco deve ser a maior amizade".
-"As mulheres são como as pedras preciosas, cujo valor cresce segundo a estimação que delas fazemos".
-"...a mulher, obrigada e amimada do marido, esquece facilmente o trato do pai e dos irmãos.
Este afago também deve ser discreto, repartindo-o igualmente por obras e palavras: o vestido quando se não pede, o brinco que se não espera, a saída em que se não cuida, um não saír de casa uma tarde, um recolher mais cedo uma noite (e, se disser um levantar mais tarde uma manhã, não mentirei), farão logo chaníssimo o caminho para aquele esquecimento, ou devio dos pais, quando ao marido lhe convenha."
-"Ouvi muitas vezes a um famoso pregador (...) repetir este dito engraçado e verdadeiro: Quem gasta menos do que tem é prudente; quem gasta o que tem é cristão; quem gasta mais do que tem é ladrão".
-"...tais são as coisas que, não sendo más nem boas, o uso as faz boas ou más".
-"...vista-se (a mulher) conforme a sua idade, mude-se com ela".
-"Muitas amigas é coisa para dar cuidado, porque nem todas podem ser como hão-de ser as amigas."
-"Andam pelo mundo espalhados uns homens e mulheres que fazem profissão de mestres de virtude, de que verdadeiramente nem são discípulos".
-"A mim me dizia um discreto e galante casado: que deixarem as mulheres de mandar (em) seus maridos era impossível, mas que o que estava à conta dos homens honrados, era fazerem que isto fosse o mais tarde que pudesse ser".
-"Guarde-se o discreto de contar a sua mulher as histórias passadas de seus amores e de sua mocidade".
-"Muito melhor conhece os lanços do jogo aquele que o vê do que aquele que o joga".
-"O jogo, em todos os estados é ruím ofício".
-"Dizia um cortesão que três bens desejava a seus inimigos para se ver vingado deles: pedir, mas que lhe dessem; pleitar, mas que vencessem; jogar, mas que ganhassem".
-"Será mau que o casado escolha por amigo o solteiro, principalmente se ele é de vida solta; porque como a amizade consiste na semelhança, por milagre tivera que o casado não fizesse o que visse fazer ao solteiro".
-"São bons para amigos aqueles cujas mulheres são também amigas das mulheres próprias. Podem-se ajudar e prestar nessas ocasiões; desabafa-se com eles o enfadamento familiar com mais confiança de compaixão e remédio; porque além de se referir a pessoa que se conhece, fica dito a pessoa que outro dia pode fazer o mesmo".
-"De casamento sem vontade não há que esperar contentamento".
-"A morte é o mais importante negócio para os vivos".

E, na última página da obra, dedicada ao seu primo, D.Francisco de Melo, Alcaide-Mor de Lamego, o autor faz este admirável resumo:

"Senhor meu. Casa limpa. Mesa asseada. Prato honesto. Servir quedo. Criados bons. Um que os mande. Paga certa. Escravos poucos. Coche a ponto. Cavalo gordo. Prata muita. Ouro o menos. Jóias que se não peçam. Dinheiro o que se possa. Alfaias todas. Armações muitas. Pinturas as melhores. Livros alguns. Armas que não faltem. Casas próprias. Quinta pequena. Missa em casa. Esmola sempre. Poucos vizinhos. Filhos sem mimo. Ordem em tudo. Mulher honrada. Marido cristão; é boa vida e boa morte".







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Tuesday, December 04, 2007

 

Velhos Amigos

No passado dia 23 reuniram-se na Academia Militar, na Amadora, os "cadetes" que há 50 anos ingressaram na então chamada Escola do Exército.
Lá estive entre as várias centenas de sobreviventes, a recordar a nossa juventude.
Emocionantes, embora simples, as cerimónias evocativas, com relevo para a chamada dos cadetes já desaparecidos.
Emocionantes o garbo e a disciplina com que os actuais cerca de 700 alunos desfilaram perante a "velharia" ali presente.
Escola do Exército/Academia Militar, instituições centenárias, de grande nobreza e tradição, forja de carácteres para a vida fora!
Encontrámo-nos, muitos de nós, depois de longos anos de separação, não nos reconhecendo mútuamente, à primeira vista.
O Tempo fez os seus estragos consideráveis e inevitáveis: as pujantes capilaridades de antanho, embora rigorosamente aparadas, na altura, deram lugar a veneráveis calvícies; as rugas inundaram de sulcos as então faces juvenis, agora emolduradas por farfalhudos bigodes ou barbas cheios de neve.
Emocionante o abraço que me deu o Norberto dos Santos, velho companheiro como instrutor do Corpo de Alunos:
"Tu és o João? Sou! E tu?...Desculpa não te estar a reconhecer...Ah! Pela voz tu és o Norberto!"
Longo e apertado abraço e uma lágrimas não contidas a dizerem-nos como a juventude já vai longe!...

Obrigado, querida Escola!

Friday, September 07, 2007

 

Pobrezita...Grande Zita!


Acabei agora de ler o denso e volumoso "Foi assim", onde Zita Seabra relata o seu percurso de "revolucionária profissional", no seio do PCP, desde a sua passagem à clandestinidade ( no idealismo dos seus 17 anos) até à descoberta, já adulta, do logro em que viveu.
Também andei lá por perto, mas a primeira ida à Checoslováquia, em 1976, e a leitura, entre outros, da "Nomenklatura", de Mikhail Voslensky, tiraram-me, definitivamente, as ilusões!
Zita descreve ao pormenor a sua vivência de militante, o seu dia a dia clandestino, numa solidão incrível para uma adolescente, separada de tudo e de todos, amparada apenas nos seus ideais e na história do martirológio dos seus companheiros de luta
Vêem-se os fios que o PCP foi tecendo em todas as camadas da sociedade, ao longo dos anos e, muito especialmente, após o 25 de Abril, nomeadamente na estrutura do MFA.
O livro é revelador: os ideários podem ser maravilhosos; o problema é que, neste caso, os meios para se alcançar a plataforma do socialismo (repressão, eliminação das liberdades individuais, o primado do centralismo democrático) transformam-se, inevitávelmente em fins. E é nesta altura que nos vem à mente a frase batida de Churchill:

"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos".




Friday, August 03, 2007

 














Volendam e Marken
Já vai a caminho de um mês que a "Tante Hol", sólida e muito esclarecida nos seus oitenta e tal anos, nos foi buscar, por volta da uma da tarde. Conduzia o seu velho Volkswagen, avisando que não lhe falássemos enquanto conduzia (mas revelou-se uma "acelera" de se lhe tirar o chapéu!).

Proporcionou-nos uma tarde inesquecível (para ela também foi um dia de férias, no seu viver de viúva solitária).

Levou-nos às maravilhosas Volendam e Marken, a poucos quilómetros de Amsterdam.

Volendam é uma das localidades mais visitadas pelos turistas que se dirigem à Holanda.

O porto de pesca, com a frota muito virada para a captura do arenque, é de uma fotogenia extraordinária, com as casa de madeira circundante a reflectirem-se na água.



Antigamente a população usava, no quotidiano, os seus trajos típicos, que, agora, só raramente podemos encontrar nalgumas lojas ou nos restaurantes; no entanto, estão imortalizados, em bronze, nalgumas estátuas naturalistas, postadas à borda do porto.

Daqui fomos para outra preciosidade: Marken.

Era, antigamente, uma ilha completamente isolada do "interland". Desde 1957 está ligada à parte continental por um dique, com diversos quilómetros, sobre o qual foi construída uma estrada de ligação.

Marken mantém a sua atmosfera inicial, já que se trata de uma terra protegida pelas instituições: pequenas estradas, onde não circulam automóveis, casas de madeira, pontes levadiças e o velho porto, que actualmente serve de marina.
Aí bebi uma fresquinha e saborosa cerveja. Entretanto, um homem, num perqueno barquito, fazia accionar uma caixa de música, , anunciando previamente, através de um altifalante, as peças que ia apresentar e que ele acompanhava com uma trompete. Belo espectáculo!
Marken é uma preciosidade que nenhum visitante da Holanda poderá perder!











 





Os canais de Amsterdão

Se, no Inverno, com as árvores desfolhadas, a cidade pode parecer um pouco tristonha para um meridional recém-chegado, nesta altura do ano a história é bem diferente!

Com o sol a dourar as frondosas ramagens dos olmos gigantescos que, nas margens dos canais, mergulham as raízes directamente nas águas, a visão é deslumbrante.

Descobrir a cidade, de bicicleta, de barco ( múltiplos cruzeiros estão permanentemente a largar de diversos locais) ou, preferencialmente, a pé, torna-se uma actividade aliciante.

Esta é, seguramente, das cidades mais belas que conheço, com um encanto e uma vida inigualáveis.


Sunday, July 22, 2007

 

Jovens emigrantes portugueses


Uma verdadeira "colónia" de jovens quadros portugueses trabalha em Amsterdão- nomeadamente economistas e engenheiros informáticos.


Conhecem-se uns aos outros, formam grupos "jantaristas", que se reúnem ora em casa de um ora em casa de outro, ou nos múltiplos restaurantes da cidade, enfiando-se, findo o repasto, e em sucessão, numa ronda pelos diversos "pubs", para "beberem um copo"(especialmente aos fins de semana).


Estão constantemente em comunicação, via telemóvel, ajudam-se mútuamente, vão juntos a concertos, compram casa e, quase todos, manifestam-se bastante interessados em continuar na Holanda (Amsterdão) por ganharem bem mais do que em Portugal e por a cidade lhes oferecer inúmeros motivos de encanto. Ali...vive-se!



 
Grande Homem!
Acabei de ler as quase cem páginas do "Album de Memórias-6ª Década (Anos 70-2ª Parte) -Os tempos da Revolução", de José Hermano Saraiva.
Como actor activamente participante desse período conturbado, não posso deixar de admirar este Homem, tão autêntico, tão generoso, tão "sem rancor", tão cordial!
Grande José Hermano Saraiva!

Friday, July 20, 2007

 

Aquela fabulosa adolescente



Visitei, pela primeira vez, a casa de Anne Frank há mais de 30 anos. Tinha lido o "Diário" em tenra mocidade e, logo na altura, fiquei impressionado pela força daquela rapariguinha.


Na segunda visita, uns anos depois, vi uma senhora, de alguma idade, encostada a uma das paredes, a chorar, em silêncio. Comentei: É impressionante como isto pôde acontecer!

Ao que ela sussurrou: Desta, ao menos, soube-se o destino. Mas houve muitos de quem nunca tivemos notícias...

Desta vez, antes de fazer uma nova incursão ao nº 263 da Prinsengracht, resolvi reler o Diário, agora na sua versão definitiva.

A leitura, pungente, só acabou em Lisboa, pelo que a revisita ficará para nova ocasião.

Se a Morte é sempre uma coisa incompreensível, nas circunstâncias de Anne foi uma verdadeira aberração. Ficamos com a certeza de que esta vida mereceria ter sido vivida na sua plenitude.

Escrevia ela, em 3 de Maio de 1944 (pag. 368 e 369, da versão definitiva, Ed. Livros do Brasil, Lx 2006):


"Sou ainda nova e tenho muitas qualidades escondidas; sou jovem e estou a viver no meio dos acontecimentos e não posso passar o dia inteiro a queixar-me por não me divertir! Sou abençoada com muitas coisas: felicidade, bom humor e força. Todos os dias me sinto a amadurecer, sinto a libertação a aproximar-se, sinto a beleza da natureza e a bondade das pessoas que me rodeiam. Todos os dias penso em como é fascinante e divertida esta aventura! Com tudo isto por que hei-de desesperar?".

Morreria, de tifo, em Bergen-Belsen, um campo de concentração perto de Hannover (Alemanha) nos princípios de Março de 1945, um mês antes de o campo ser libertado pelas tropas britânicas...




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