Wednesday, October 25, 2006

 
Os alcatruzes da nora
Quanto mais estudamos a nossa História melhor entendemos as raízes dos nossos problemas.
Esta verdade elementar não deixa de me vir ao espírito sempre que me embrenho na leitura dos feitos dos portugueses de antanho.
Nunca deixou de me impressionar o abrupto declive em que entrou Portugal, desde a opulência de Quinhentos até à perda da independência passados oitenta anos.


O livro de Aydano Roriz, "O Desejado, a fascinante história de Dom Sebastião" , Ed. Pergaminho, Lx.2004), ajuda-nos a entender um pouco as causas de tão brutal decadência.
" (...) À lavoura faltavam terras, em grande parte doadas à Igreja, irmandades religiosas e fidalgos ociosos. Aos artífices faltavam os mestres que tinham ido para além-mar tentar uma melhor sorte. À indústria faltavam os capitais que os judeus fugidos da Inquisição haviam levado consigo. Encarecera o custo de vida. Pedia-se à regente (D. Catarina, avó de D. Sebastião) que o trigo, o centeio e os alimentos em geral fossem importados livres de taxas. Que se fixasse nas vilas e cidades um salário mínimo para os artífices..."(pag. 102).
E mais adiante:
"(...) Riquezas de África, riquezas do Oriente e riquezas do Brasil não passavam de miragens. Na maioria dos casos até havia riquezas. A questão é que se gastava mais para as produzir e transportar para Lisboa do que elas efectivamente rendiam. Nos trinta e seis anos do reinado de D. João III, a perda de controlo sobre a burocracia estatal havia comprometido seriamente a eficácia do Governo. Até porque muitos e variados cargos da administração pública eram hereditários. Passavam de pai para filho ou, na falta deste, até para o futuro marido da filha órfã. No Reino e nas colónias, a maioria dos portugueses dependia do Tesouro Real para viver. Ademais, os sinais de dissensão entre a raínha (D.Catarina) e o cardeal (D.Henrique, irmão do rei D. João III) eram cada vez mais evidentes e, com o barco da administração a descer a pique, a tripulação procurava sobretudo salvar o que podia" (pags. 106 e 107).
Muito interessante, ainda, é verificar que os problemas com que hoje nos debatemos são, quase que a papel químico, os mesmos tratados nas cortes de Lisboa de Dezembro de 1562, como se pode ver pela intervenção do bispo D. António Pinheiro ao definir, de início, o que se pretendia com a realização das mesmas:
(...) Que cada uma das partes tenha nela mais presente a lembrança da sua obrigação. e que resulte dela não somente o remédio das suas necessidades(...), mas também a medicina para os abusos, excessos, superfluidade, delícias, corrupção dos bons e antigos costumes(...) por cujo esquecimento(...) se pode dizer que vive o Reino como que paralítico em seu leito (...), sem dos benefícios que lhe foram aplicados sentir saudável e constante melhoria." (pag. 150).
Muitos dos delegados às Cortes diziam "estar o povo cansado do descalabro económico e da degeneração moral do país".
E, agora, parece estarmos a ouvir o actual ministro das Finanças:
(...) Com vista a reduzir despesas, pediram a suspensão imediata de todas as obras, dando continuidade, apenas, por questões de segurança, à construção de fortalezas à beira-mar. Sugeriram a redução do número de desembargadores do Paço, da Casa da Suplicação e do Cível, e propuseram a extinção dos cargos de juíz de fora e de capelão da capela-real. Propuseram, igualmente, uma redução do grande número de funcionários da Fazenda face aos altos salários pagos. Neste caso particular, insinuaram que a coroa deveria manter-se mais atenta. Até porque, sendo o rei pobre, não poderiam vários dos seus servidores ser tão ricos." (pag. 151).
E assim por diante!
Pobre Portugal que não há maneira de aprender com os erros do passado!

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