Wednesday, December 05, 2007

 


Velhos Amigos (II)



Oh! queridos amigos! Há bastantes anos que nos não víamos! Mas as obras em casa, levaram-me a meter a livralhada em caixotes, para se poder libertar e remover as estantes.
Dezenas e dezenas de títulos, algumas dedicatórias de amigos ainda vivos ou já desaparecidos, recordações de lugares por onde andei...
E entre a sacudidela da poeira, topei com um livrinho que me fascinou quando o li pela primeira vez: "Carta de Guia de casados", de D.Francisco Manuel de Melo (a sua vida daria argumento para um excelente filme).
É notável como este seiscentista escreveu há mais de 350 anos uma obra ( polémica em muitos pontos) com tanta frescura, não obstante carregada de abundantes sinais de machismo, natural na época.
Não resisto a respigar algumas das passagens nele contidas:

-"A amizade é o maior parentesco, o parentesco deve ser a maior amizade".
-"As mulheres são como as pedras preciosas, cujo valor cresce segundo a estimação que delas fazemos".
-"...a mulher, obrigada e amimada do marido, esquece facilmente o trato do pai e dos irmãos.
Este afago também deve ser discreto, repartindo-o igualmente por obras e palavras: o vestido quando se não pede, o brinco que se não espera, a saída em que se não cuida, um não saír de casa uma tarde, um recolher mais cedo uma noite (e, se disser um levantar mais tarde uma manhã, não mentirei), farão logo chaníssimo o caminho para aquele esquecimento, ou devio dos pais, quando ao marido lhe convenha."
-"Ouvi muitas vezes a um famoso pregador (...) repetir este dito engraçado e verdadeiro: Quem gasta menos do que tem é prudente; quem gasta o que tem é cristão; quem gasta mais do que tem é ladrão".
-"...tais são as coisas que, não sendo más nem boas, o uso as faz boas ou más".
-"...vista-se (a mulher) conforme a sua idade, mude-se com ela".
-"Muitas amigas é coisa para dar cuidado, porque nem todas podem ser como hão-de ser as amigas."
-"Andam pelo mundo espalhados uns homens e mulheres que fazem profissão de mestres de virtude, de que verdadeiramente nem são discípulos".
-"A mim me dizia um discreto e galante casado: que deixarem as mulheres de mandar (em) seus maridos era impossível, mas que o que estava à conta dos homens honrados, era fazerem que isto fosse o mais tarde que pudesse ser".
-"Guarde-se o discreto de contar a sua mulher as histórias passadas de seus amores e de sua mocidade".
-"Muito melhor conhece os lanços do jogo aquele que o vê do que aquele que o joga".
-"O jogo, em todos os estados é ruím ofício".
-"Dizia um cortesão que três bens desejava a seus inimigos para se ver vingado deles: pedir, mas que lhe dessem; pleitar, mas que vencessem; jogar, mas que ganhassem".
-"Será mau que o casado escolha por amigo o solteiro, principalmente se ele é de vida solta; porque como a amizade consiste na semelhança, por milagre tivera que o casado não fizesse o que visse fazer ao solteiro".
-"São bons para amigos aqueles cujas mulheres são também amigas das mulheres próprias. Podem-se ajudar e prestar nessas ocasiões; desabafa-se com eles o enfadamento familiar com mais confiança de compaixão e remédio; porque além de se referir a pessoa que se conhece, fica dito a pessoa que outro dia pode fazer o mesmo".
-"De casamento sem vontade não há que esperar contentamento".
-"A morte é o mais importante negócio para os vivos".

E, na última página da obra, dedicada ao seu primo, D.Francisco de Melo, Alcaide-Mor de Lamego, o autor faz este admirável resumo:

"Senhor meu. Casa limpa. Mesa asseada. Prato honesto. Servir quedo. Criados bons. Um que os mande. Paga certa. Escravos poucos. Coche a ponto. Cavalo gordo. Prata muita. Ouro o menos. Jóias que se não peçam. Dinheiro o que se possa. Alfaias todas. Armações muitas. Pinturas as melhores. Livros alguns. Armas que não faltem. Casas próprias. Quinta pequena. Missa em casa. Esmola sempre. Poucos vizinhos. Filhos sem mimo. Ordem em tudo. Mulher honrada. Marido cristão; é boa vida e boa morte".







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